Relatos da Minha Mãe

Folclore do dia-a-dia

Relatos de Leonilda Carvalho Teixeira Netto

por Márcia Teixeira Netto

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Biografia

Leonilda Carvalho Teixeira Netto, minha avó paterna, nasceu no dia 16 de abril de 1929, na casa de sua avó materna, em Pouso Alegre, Minas Gerais. Sempre teve toda sua família, de descendência portuguesa, morando ao redor do sul de Minas. Meu bisavô Pedro era farmacêutico, com criação na fazenda. Vovó Nilda (como é carinhosamente chamada pelos 23 netos) possui um irmão dois anos e sete meses mais novo (Paulo) e fez até o primeiro normal, estudando somente em colégios de freiras.

Morou em Pouso Alegre até os cinco anos. Em 1934, toda a família foi para o Rio de Janeiro, capital, para que seu pai (bisavô Pedro) pudesse fazer um concurso para o Quadro de Saúde do Exército como farmacêutico. Ficaram um ano por lá.

Em 1935, seu pai, já militar, foi servir no Hospital Militar de Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul, por três anos. Depois (1939) ficaram um ano em Valença, Rio de Janeiro. Meu bisavô foi transferido para Blumenau, Santa Catarina, em 1939 e lá ficaram por dois anos. Em 1941, voltou para Itajubá e acabou conhecendo e casando com o meu avô Marius, também de descendência portuguesa e com o Duque de Caxias e diversos militares na árvore genealógica da família, no dia 14 de fevereiro de 1946, com apenas 16 anos. Teve seu primeiro filho (Marius Luiz) em 1947. Em janeiro de 1949, nasceu o segundo filho (Paulo Trajano). No mesmo ano, meu avô foi transferido para Juiz de Fora, Minas Gerais, ficou dois anos por lá. Em 1951, voltam para Itajubá. Em fevereiro deste ano nasce o terceiro filho (Carlos Roberto). Em 1952, todos se mudam para o Rio de Janeiro, capital, para que meu avô pudesse fazer o curso da ESAO. Residiram por um ano na Vila Militar no bairro de Marechal Deodoro. Em setembro do mesmo ano nasce o quarto filho (Jorge Henrique). No ano seguinte, voltam novamente para Itajubá. Lá nascem o quinto (José Maurício), em fevereiro de 1954, o sexto (Antonio Márcio, meu pai), em abril de 1955, o sétimo (Otávio Augusto), em dezembro de 1956, e o oitavo filho (Rubens Gabriel), em novembro de 1958.  Em 1959, meu avô vai para o Rio de Janeiro novamente para realizar o curso da ECEME. Moraram por três anos no Edifício da Praia Vermelha no bairro da Urca. Ainda na década de 50, morre seu pai e sua mãe passa a morar na sua casa. No ano de 1959, também nasce a primeira filha (Maria Lúcia). Em 1962, mudam-se para Fortaleza, Ceará. Lá nascem os demais filhos: em outubro de 1962, o décimo (Ana Maria), em setembro de 1964, o décimo primeiro (André Ricardo) e em março de 1967, o caçula (Cláudio Eduardo). Em julho de 1967, meu avô é escolhido para comandar o Batalhão de Engenharia de Caicó, Rio Grande do Norte, por dois anos e meio. Em 1970, meu avô é transferido para Recife, Pernambuco, por seis anos. Em agosto de 1976, meu avô vai para a reserva e decide morar no Rio de Janeiro. Ele e minha avó estão lá até hoje. Ela com 73 e ele com 79 anos.

O Motivo da Escolha

Escolhi a vida da minha avó para ser analisada como folclore do dia-a-dia porque a maior parte da minha família é militar e estão morando nas regiões mais remotas do país, inclusive meus pais, em Curitiba. Sendo assim, ficaria impossível entrevistar meus outros familiares, a não ser pelo telefone, no entanto achei muito impessoal e caro esse método.

Aproveitei a ocasião do casamento de uma prima e fui um final de semana para o Rio de Janeiro. Passei dois dias inteiros conversando com minha avó e pude conhecer muitas histórias e curiosidades da família. Infelizmente, nem tudo está no trabalho a seguir, uma vez que em dois dias não dá para escrever uma história de vida de mais de 70 anos. Tentei extrair o máximo possível da oportunidade.

Os relatos do folclore do dia-a-dia de Leonilda Carvalho Teixeira Netto, mais carinhosamente conhecida como Vó Nilda, pelos netos, ou como Dona Nilda, pelos filhos e amigos, estão subdivididos em diversos tópicos ao longo deste trabalho.

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1. O Folclore do Dia-a-dia

É extremamente difícil determinar de onde são as aculturações presentes na minha família, moramos em tantos lugares diferentes que é mais fácil determinar as aculturações de acordo com as regiões do Brasil do que conforme algum país. Afinal, os militares foram responsáveis por parte da integração nacional e minha família a mais de um século faz parte dessa integração. Sendo assim, a aculturação presente no nosso folclore do dia-a-dia é formada, em sua maioria, pela troca de dados culturais entre as diversas regiões do Brasil.

1.1. Usos e costumes

a)    Família

Na infância e adolescência de minha avó era de praxe pedir a benção dos mais velhos (avós, pais, tios, etc.) e ouvir a seguinte resposta: “Que Deus te abençoe”.

Os homens tiravam o chapéu para cumprimentar outras pessoas e também quando estavam em ambientes fechados (este costume continua atualmente nos costumes militares, uma vez que todo militar deve retirar a boina em locais fechados).

Todos da família sempre faziam as refeições juntos em horários determinados. Tendo pai e mãe católicos era de costume fazer uma pequena oração antes. Os mais velhos sentavam na cabeceira e as mulheres no meio da mesa para poder servir a todos (maridos e filhos), assim, acabavam comendo por último. Existia muito respeito pelos mais velhos.

b)    Nascimento

Minha avó nasceu por parteira no casarão de sua avó em Pouso Alegre, Minas Gerais. No entanto, teve todos os seus doze filhos de parto normal no hospital.

Segundo minha bisavó, durante o parto a mãe da grávida estava sempre presente e era comum o parto ser realizado em sua casa (no interior de Minas Gerais).

A parteira, já conhecida pela família, fazia a grávida se sentar em uma bacia de água quente porque achava que isso facilitava o parto (medicina popular). Elas tinham ligação com os médicos, os quais eram imediatamente chamados caso ocorresse alguma complicação.

A gestante também passava os quarenta dias de resguardo na casa da mãe. A grávida não podia lavar a cabeça, nem tomar sereno (superstição) e possuía diversas restrições alimentares – não podia comer comida muito gordurosa – (medicina popular). Tinha que ficar com o bebê num quarto com a luz bem fraquinha e com as janelas fechadas de dia porque diziam que a luz não fazia bem ao neném (superstição).

Logo que ficavam sabendo, os pais e           os amigos mais íntimos iam visitar a mãe e o bebê e levavam presentes, geralmente roupinhas.

Existiam diversas palpiteiras que diziam qual era o sexo do bebê de acordo com o formato da barriga (superstição). Os pais sempre queriam filhos homens. Para mãe, quase sempre, todos eram bem vindos, contanto que tivessem saúde e fossem perfeitos.

Naquela época não se tinha certeza do sexo do bebê antes dele nascer, logo minha avó levava para o hospital um conjunto azul e um rosa. Ela acabou colocando a roupinha rosa nos meninos porque demorou muito a chegada da primeira filha (somente a nona gestação).

Era comum o uso da “camisinha de pagão” por baixo do casaquinho do bebê. Esta camisa era branca e toda bordada. As roupas usuais do neném eram a “camisinha de pagão” (linguagem), a fraldinha de pano e o “cuero” (flanela que era enrolada nas pernas do bebê para aquecer, usado somente em locais frios).

Na época de sua mãe, minha bisavó, era comum a criança receber o nome de santo ou da família. No caso dos doze filhos da minha avó, somente o primeiro e o segundo filho tiveram o nome de alguém da família. Todos os outros foram nomes do “flertes” – paqueras – (linguagem) da minha avó.

c)    Batizado

A maioria das crianças era batizada com menos de uma semana de seu nascimento. No interior de Minas só tinha festa em casa quando batizavam a criança após a quarentena. Já no sul, havia festa (churrasco) pra tudo.

A roupa do batizado era uma camisola longa, bordada, com rendas e uma toquinha. Essa roupa passou por todos os doze filhos e para a primeira neta da minha avó.

Os padrinhos eram pessoas na maioria das vezes da família ou então amigos muito íntimos. Contudo, também existiam, já naquela época, alguns padrinhos de interesse.

d)    Primeira comunhão

Todos tinham que passar pelo curso de catecismo e começavam com sete anos de idade. A primeira comunhão era realizada no próprio colégio. A comemoração era um grande café da manhã no próprio salão do colégio e contava com a presença dos pais e alguns amigos e parentes mais próximos. Era distribuído um santinho como lembrança da data.

A roupa era toda branca: terno branco e gravata branca para os meninos e vestido todo branco para as meninas.

e)    Crisma

No interior de Minas Gerais, a Crisma, confirmação do batismo, era realizada sempre quando aparecia um bispo na cidade, portanto era preciso juntar uma grande quantidade de pessoas antes de chamá-lo.

f)     Aniversários

Os aniversários reuniam toda a família que morava próximo. Os mais velhos colocavam a conversa em dia. O rádio animava a festa que era enfeitada com balões.

Somente no aniversário de seus filhos é que minha avó foi conhecer o doce brigadeiro, o costume de soprar a vela e a música atual de parabéns.

No aniversário de quinze anos da filha (na época de adolescente da minha avó), os pais davam uma jóia (geralmente um anel). No entanto, a festa era normal, como qualquer outra, não havia o costume de um grande baile.

g)    Noivado

O noivo ou alguém de sua extrema confiança ou amizade (quando estava muito nervoso) pedia a mão da noiva ao sogro. Quando as famílias moravam perto a família do noivo geralmente comemorava com um jantar na casa dos pais da noiva. O noivo dava um anel ou qualquer outra jóia para a noiva.

O enxoval era comprado pelo pai da noiva geralmente após o pedido oficial.

h)    Casamento

O vestido mudava muito conforme a moda segundo a minha avó, por isso cada um casou de um jeito, sua avó, sua mãe, ela e suas filhas. Os filmes que eram vistos no Brasil na década de 40 e 50 trouxeram os costumes de tomar champanhe de braço cruzado com o noivo e de cortar o bolo juntos. A festa geralmente era na casa da noiva.

Quem morava perto de Aparecida do Norte casava lá, diziam que dava sorte para o casamento (religião/superstição).

Nas cidades do interior, quando a Igreja era perto da festa a noiva ia a pé até lá.

Era comum tocar a marcha nupcial na entrada da Igreja. No meio da cerimônia também tocava Ave Maria. Não existiam muitos padrinhos, somente um casal para cada. Os noivos trocavam uma aliança de ouro gravada com a data dentro. Algumas pessoas jogavam arroz nos noivos na saída da Igreja para dar sorte (superstição).

Todos já diziam que o noivo não podia ver a noiva antes do casamento (superstição).

Os presentes eram entregues um pouco antes do casamento. Geralmente havia muitos utensílios de cristais e de prata, louças e faqueiro.

i) Velório

Os doentes em estado terminal ficavam em casa. O velório era em casa mesmo. No interior, as pessoas iam levando o caixão andando e revezando para o cemitério. O morto passava pela Igreja e depois ia para o cemitério.

O morto geralmente era enterrado com uma roupa escura. Tinham que prepará-lo rápido antes que enrijecesse (medicina popular). Amarravam um lenço em volta da cabeça do defunto para que ele não abrisse a boca durante o velório.

A mulher e a filha usavam durante um ano roupas pretas como luto.

1.2. Festas e músicas

Em Cachoeira Paulista, também com parte da população descendente de alemães, comemorava-se quase tudo com um churrasco. Em Blumenau eram típicas as festas alemãs, com muita música e dança alemã. Em Itajubá tocava-se muito samba, rumba, bolero, conga, valsas, fox lento. Em Pernambuco, dançava-se o frevo e a roda de ciranda. Em Fortaleza, o forró.

a)    Carnaval

Usava-se a expressão “pular carnaval” (linguagem). As pessoas iam para se divertir e no máximo davam as mãos. Não podia faltar serpentina, nem confete. O lança perfume (não era cheirado) era usado para jogar nas pessoas, às vezes quando se estava interessado em alguém, porque era gelado. Todos iam fantasiados e também tinham blocos.

Havia o “corso”, ou seja, as pessoas passeavam fantasiadas de carro aberto pela rua principal.

Existiam muitas marchinhas e algumas embutiam duplos sentidos. A seguir se encontram trechos de algumas marchinhas da época:

“Banana menina, contém vitamina, engorda e também faz crescer” (de Cachoeira do Sul);

“Eu vim da Catalunha (…) contar história para boi dormir (…) eu vi Ceci beijar Peri (…) Paratibum, bum, bum, bum…” (de Cachoeira do Sul);

“Ó jardineira porque estás tão triste? O que foi que te aconteceu? Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu” (de Valença);

“Periquitinho verde, tira minha sorte, por favor…” (de Valença);

“Cachaça não é água não…” (de Itajubá);

Na época em morou em Blumenau não havia o costume de celebrar o carnaval porque a maior parte da cidade era composta de descendentes de alemães. Eles só tocavam músicas em alemão. Dentre as mais famosas está a famosa “Barril de Chopp”.

b)    Bailes

Em Itajubá existiam os bailes de domingo, que iam das oito horas às onze horas da noite. Tinham uma orquestra, a qual tocava músicas de Francisco Alves, Carlos Garlhado, Sinhá Batista, Marlene, etc.

Os bailes eram muito familiares, tanto que até as mães iam e ficavam conversando e observando de uma parte do salão.

Os rapazes atravessavam o salão para chamar as moças para dançar (“Me dá o prazer dessa dança?”) e depois da dança deixava a menina no mesmo local que a tinha retirado.

Existiam também os bailes de formatura. Eles ocorriam tanto na quarta série do ginásio quanto no terceiro ano do científico, ambos após a colação de grau. Os pais geralmente davam uma jóia para as filhas. As mulheres geralmente faziam o curso normal para se tornarem professoras. Os colégios eram separados por sexo.

c)    Festas Típicas

Era comum no interior do sul de Minas comemorar no mês de junho (mês de férias escolares) três festas. A de São João, a de São Pedro e a de Santo Antônio.

Na festa de São João havia o costume da fogueira e dos enfeites de bandeirinhas; comia-se canjica, pipoca, bolo de fubá e de mandioca, pé-de-moleque (comidas); bebia-se quentão (os mais velhos) e dançava-se uma quadrilha ensaiada ao som da música “Noite de São João”.

As pessoas fantasiavam-se de caipira. O tecido do vestido das meninas era chamado de “chita” e elas usavam tranças nos cabelos. Os meninos usavam chapéu de palha e pintavam um bigode de carvão no rosto.

Havia também a festa do Santo da cidade em Minas que era comemorada com uma procissão.

Não havia o costume em Blumenau de comemorar estas datas.

d)    Datas comemorativas

Na páscoa, em Cachoeira do Sul, pela primeira vez, minha avó conheceu o costume de comer ovos de chocolates e de enfeitas as cestas com coelhinhos e ovos.

No Corpus Christi as pessoas seguiam as procissões enquanto jogavam pétalas de rosas.

O primeiro Natal em Blumenau, segundo a minha avó, foi o mais marcante. Eles seguiam a tradição européia. Tinha muito doce, muita rabanada. Antes da meia noite eles se reúnem para rezar (a maior parte deles eram luteranos). Tinham uma bandinha própria e cantavam todas as músicas em alemão. Comiam a ceia depois da meia noite. A árvore, um pinheiro natural, era enfeitada com grandes bolas de cristal frágeis. Na árvore havia também castiçais pequenos (tipo prendedor) com velinhas acesas.

Em Minas o Natal era na casa da avó em Pouso Alegre. Sempre se teve o costume de dar uma lembrança no Natal.

A primeira vez que festejou o Ano Novo foi em Pouso Alegre, com 14 anos. Todos se cumprimentavam à meia noite.

1.3. Brincadeiras, jogos e histórias infantis

No interior de Minas as crianças juntavam-se à noite para brincar em frente a pracinha da Igreja. Eles brincavam de roda com a música “Ciranda cirandinha”, de Escravo de Jó, onde uma criança passava a mão direita por dentro e pegava na mão direita da outra criança, cantando sempre a música: “Escravo de Jô, jogavam o cachangá, tira, põe, alguém tem que ficar…” Brincavam também de passa anel e de esconder dentro de casa, perguntando: “Tá quente? Ta frio?”.

Eles também brincavam de roda com a seguinte cantiga:

Constância, meu bem Constância,

Constância, meu bem querer,

Foi por causa da Constância

Que eu deixei de te amar.

(Falava o nome de alguma das meninas da roda)

Entre dentro desta roda,

Diga um verso bem bonito

Diga adeus e vá se embora.”

Era de costume a brincadeira Bento que bente ao Frade. Nela uma criança dizia “Faz tudo o que seu frade mandar?”, logo em seguida vinha uma missão, normalmente era para imitar um animal.

Existia um álbum de poesia, cada criança tinha o seu, que era trocado entre os amigos (as) para que cada um escrevesse uma poesia. Uma poesia muito comum era Saudades de Bastos Tigre:

Saudade palavra doce

Que traduz tanto amargor

Saudade é como se fosse

Um espinho cheirando à flor.

Havia também muitas poesias de Olavo Bilac.

No interior, os adolescentes iam à noite na pracinha central da cidade. Passeavam para “dar flerte” (paquerar, só olhando). Eles circulavam da seguinte maneira: Os rapazes por fora da praça em um sentido e as garotas na parte de dentro, no sentido oposto.

Existiam vários tipos de bonecas, de pano, de massa e de porcelana. Também tinham as miniaturas de mobílias feitas de madeira e pintadas com esmalte. Brincava-se muito com pião, bola, pipa e com bloquinhos de madeira desenhados que montavam um edifício. Pulava-se corda, às vezes com duas cordas ao mesmo tempo. Geralmente as pessoas faziam patinetes de madeira em casa. Jogava-se ludo, xadrez chinês, pingue-pongue e burro (com o baralho). A maioria das casas possuía um balanço feito com corda e tábua de madeira. Havia também um brinquedo chamado biboquê (bola com um pauzinho para encaixar).

Até os dez anos não havia muita diferença entre meninos e meninas nas brincadeiras.

Os pais contavam muitas histórias para os filhos. Dentre as mais comuns estão as histórias do Pequeno Polegar, de Monteiro Lobato, do Gato da Bota das 7 Léguas, do Patinho Feio, histórias dos Tesouros da Juventude, da Cinderela, da Bela Adormecida, da Gata Borralheira, da Branca de Neve e dos Sete Anões. Em Valença, pela primeira vez, minha avó pode ver a última história transformada em desenho para o cinema.

1.4. Crendices e superstições

Havia algumas situações que davam azar como, por exemplo, quanto se via um gato preto, quando o galo cantava fora da hora (significava que alguém tinha morrido), quando se passava em baixo da escada. Algumas pessoas não gostavam muito do número treze, muito menos da sexta freira treze do mês de agosto, e outras diziam que a cor marrom trazia má sorte.

No interior do Sul de Minas, mais na periferia, havia o costume de se usar a figuinha de Guiné (aculturação africana) e de pendurar uma ferradura de sete furos atrás da porta. Os mais ricos usavam uma figa de ouro, geralmente era presente de nascimento.

Existiam várias simpatias. Colocava-se a vassoura de cabeça para baixo atrás da porta para fazer a visita inconveniente ir embora. Faziam-se muitos pedidos para São João, São Pedro e Santo Antônio, numa dessas simpatias devia-se escrever em três papelzinhos o nome de três rapazes e colocá-los em uma bacia de água no sereno, no outro dia o papel que estivesse aberto era o futuro amor; em outra, os mesmos três papelzinhos eram colocados embaixo do travesseiro e o sonho iria revelar quem era o rapaz.

1.5. Casa e mobília

A casa variava muito conforme o nível social. As de aluguel geralmente eram péssimas uma vez que não se dava muita atenção à cozinha ou ao banheiro. A maior parte das casas possuía uma sala, três quartos, cozinha e banheiro (quase fora da casa). Geralmente os quartos eram interligados (possuíam duas portas) e alguns davam para a sala ou para o corredor da entrada. As janelas e as portas eram enormes e as casas de estilo colonial. Não havia muros na frente da casa.

Utilizava-se o penico à noite. O de sua avó era de louça, tão bonito que parecia uma sopeira.

Havia um armário de madeira com tela para guardar as compras. Nas casas maiores os mantimentos eram guardados em despensas. Havia uma bancada presa na parede do lado de fora da janela da cozinha que servia como escorredor. Existia um pano de prato bordado pregado na cozinha.

O encanamento da água passava por dentro do fogão à lenha (serpentina), logo havia água quente tanto no chuveiro quanto na torneira.

Usavam-se baús revestidos de couro, preso com tachinhas, para guardar objetos. Muitos móveis eram feitos de jacarandá. O sofá da sala era dessa madeira com palhinhas trançadas nos assentos. A mesa de jantar era enorme (famílias grandes). Geralmente havia o retrato do dono da casa feito por um retratista na sala principal.

No quarto havia uma penteadeira (cômoda em baixo com mármore e espelho em cima). Nas mesinhas laterais da sala existiam castiçais com velas enormes, havia em torno delas uma proteção de cristal para que não apagassem, era chamada “manga”.

Os quintais das casas eram grandes. Nele criavam-se algumas galinhas e um galo, além de pés de frutas variados.

Usava-se a bucha vegetal para tudo (limpeza em geral), inclusive para arear as panelas. Havia uma técnica para arear: passava-se sabão com a bucha vegetal e depois um pouco de areia para tirar a crosta que formava com o fogão à lenha. Minha avó só foi conhecer o fogão a gás em 1952.

Não se encerava o chão de madeira, se lavava. A empregada dormia na casa.

Como não havia geladeira, tudo era comprado fresco. Podia-se deixar a casa aberta o dia todo.

1.6.   Roupas e maquiagem

Os homens utilizavam ternos completos. As fardas eram fechadas e sempre de manga cumprida. As roupas íntimas eram feitas em casa. As meninas de cabelo cumprido geralmente usavam tranças. O corte de cabelo da infância geralmente era chanel com uma franjinha.

Normalmente a menina só podia passar a se maquiar e a usar salto alto depois dos 15 anos. Quando os pais não deixavam usar pintura, as adolescentes passavam papel de seda vermelho no rosto. A maquiagem era composta basicamente pr batom, “rouge” (aculturação francesa) e pó de arroz (para tirar o brilho do rosto).

1.7.   Medicina popular

Era de costume a existência de um médico da família.

Quando se quer acabar com o soluço de um bebê, deve-se tirar um pelinho do cuero, molhar um pouco e colocar na testa do bebê.

Chá de erva doce é utilizado para aliviar as cólicas e os gases do neném.

O chá de hortelã é bom para resfriado e o de camomila é calmante. O chá de casca de romã é utilizado para fazer gargarejo quando se está com dor de garganta.

Existia uma diferença entre catapora e varicela (era mais forte).

Para dores de estômago deve-se colocar folhinhas de losna em um copo d’água e beber.

Depois de uma refeição não podia olhar para o espelho e só podia tomar banho depois de quatro horas, pois poderia ficar com o rosto torto.

“Golpe de vento” causava resfriado ou torcicolo.

O amendoim era tido como afrodisíaco.

Os cremes a base de babosa eram utilizados para evitar a queda de cabelo.

Para acabar com os catarros de uma gripe forte era utilizado o “cataplasma”. Este era fabricado do seguinte modo: pegava-se o angú, colocava num pedaço de lençol, enrolava e colocava nas costas ou no peito do doente.

Passava-se amônia ou esfregava-se fumo de rolo para tirar carrapato.

Para fazer cair a febre de uma pessoa utilizava-se o “escaldapé” (a pessoa colocava o pé em uma bacia de zinco com água bem quente, assim a pessoa suava e caía a febre).

Um médico alemão de Cachoeira do Sul ensinou como método anticoncepcional a tabelinha.

Utilizava-se uma espécie de absorvente arcaico: um pedaço de toalha dobrado em três voltas, com pedacinhos de pano nas pontas para prender com dois alfinetes na calcinha.

Para amenizar a irritação na garganta utilizava-se o gargarejo de água morna com uma colherinha de sal.

Passava-se uma mistura de cânfora diluída em um litro de água para diminuir a dor nas juntas.

As mulheres tinham um corpo bom (nem gordas, nem magras). As mais gordas geralmente eram sedentárias. A maioria das mulheres não sabia o que era celulite devido à alimentação saudável e ao fato de caminharem muito.

Como seu pai era farmacêutico, minha avó utilizava muitos produtos prontos como a pomada Minâncora, para espinhas, o licor de cacau Xavier, para vermes, e Maracugina, como calmante.

1.8. Comida

Existe um livro de receitas que passou por várias mulheres da família. Minha avó acabou adaptando algumas receitas aos lugares em que morou. No nordeste usa-se muito leite de coco na comida. Em Minas, comeu muito lombinho de porco assado, frango ao molho pardo, tutu de feijão, couve à mineira e torresmo. A banha usada nos pratos era feita em casa. Dentre as receitas que ela mais gosta está a empadinha frita recheada de frango e a Ambrósia (ou Manjar dos Deuses). A seguir está a receita desta última:

Ingredientes:

1 litro de leite cru (sem ferver)

12 ovos

2 xícaras de açúcar

1 limão verde (só a casca)

Obs: Somente doze gemas e seis claras são aproveitadas nessa receita.

Modo de preparo:

1) Bater as gemas com as claras como uma omelete;

2) Misturar com o leite, o açúcar e a casca do limão;

3) Colocar em uma panela e levar ao fogo baixo;

4) Só se deve mexer de vez em quando porque a intenção é deixar formar “grumos”;

5) O leite vai virar uma calda e formam-se uns pedaços firmes (“grumos”) amarelos clarinho;

6) Servir frio.

1.9. Linguagem

Em Fortaleza, mandioca era chamado de jerimum. Lá quando você queria pedir alguém para te jogar algo, você dizia: “Rebola isso pra cá”.

No sul, meia soquete era chamada de carpim e mexerica de bergamota. Lá quando você queria dizer que encontrou com alguém na rua, falava: “Topei com a Maria”.

Em Minas, quando se via uma mulher muito magra se dizia: “Tá mais seca do que bacalhau de porta de loja” ou “É mais fina que palito de picolé”.

O arco de colocar nos cabelos também era chamado de tiara ou diadema.

Para demonstrar o ideal de beleza da época dizia-se: “Gordura é formosura”.

Quando se queria dizer em Minas que alguém era forte e trabalhadora dizia-se: “Ela é sacudida!”. No entanto, tinha que se tomar muito cuidado com essa expressão porque no nordeste ela significava que essa pessoa era vagabunda.

Quando a chuva estava forte, costumava-se dizer que estava chovendo canivete.

As moças namoradeiras eram chamadas de vassourinhas.

A expressão “É memé, mamar na vaca você não quer” era utilizada quando uma pessoa queria algo de uma maneira muito fácil.